terça-feira, 30 de novembro de 2010

...e faltava a poesia.

Grito diluído 

Com uma possante exclamação desperta.
Antes que a consciência aceite algo,
Soerguendo seu corpo,
Vomita bruscamente a respiração.
Som algum se escuta.
No crepúsculo tudo repousa
Só a música da ventania se faz ouvir

Pés no solo, eriço se espalhando pela cútis.
Lençóis caem acompanhando o levantar
Os olhos buscam afeição com a densidade
Nos quatro cantos do recinto.
As mãos massageiam o peito
Intencionando serenar o que estremece
Esquadrinhando escansão.

Janela, brisa, Vidraça, saída.
Não! Porta, atmosfera, vida.

Sem calçados, chão na pele,
Necessidade de caminhar.
As horas avançam,
 Juntamente a estrada e os pés.
Caminha agora sobre cimento
Por cima de águas
O vento ainda executa seu concerto,
E o alvorecer dissolve noite
Mesclando tons intensamente claros.

Não consegue mais, precisa parar.
Cerra os dentes e agarra os cabelos,
Pois pressente que não quer perder
O que deseja sair.
Mas está aquém de si.

Tonteia seu corpo,
E rebenta num grito
Catarse intensa se espalha.
E por vários segundos
Sente o som da voz
Misturada com som de brisa nos ouvidos.

Ao fim emerge numa realidade
Onde não há mais melodia
Apenas transeuntes que começam
A surgir, conversando calmamente
Sobre uma vida que desconhece e assuntos que possivelmente não lhe interessam.
Percebeu que nada aconteceu no mundo.
Observou sua forma, suas mãos
E as abaixou, fechando os olhos numa
Ultima tentativa desesperada
De guardar na memória,
O grito que perdera.

***************************************************
Cordas

Displicentemente encostado
Contra a parede
Parecia compreender a exaustão
De um dia atribulado.
Estendendo a mão o atraiu,
Ele veio suave e fácil.
Com extrema naturalidade
Derivada de leituras diárias
Afastou as pernas
Para tê-lo mais próximo.
Com uma lentidão degustadora
O virou de costas para si.
Antes do abraço fechou os olhos
Gostava de saber que tinha seu
Corpo decorado na mente.
Apenas o estar sacava a fadiga
De sua matéria e concentrava o fluxo
De consciência para aquele agora.
Um pertencia ao outro.
Subiu uma mão por seu braço
Com um arco posicionou a outra
Logo no primeiro impulso
Sentiu dependência.
Ele emitiu os primeiros sons
Quebrando a mudez do ar.
Roncos distorcidos precedem
Suave música.
Os dedos se separam e encontram
Lugares necessários.
Semi tom, tom, melodia,
Clave de fá na quarta linha,
Compasso e ritmo.
Mistura espiritual
Amor idealizado e realizado
Num plano transcendente que
Transborda o recinto até a o soar
Da ultima nota resistente de final.
Silencio de alma.
Imobilidade de massa.
Respira forte, precisava ir.
Levanta-se e sai, contudo
Não para fora, para dentro.
************************************************************
SANGRE

Fardo gramatical que
Faz errado meu certo.
Tira a certeza de minha língua,
Dos olhos a lucidez,
O melindre dos órgãos
E corta meus pulsos. Meu pulso.

Beleza perfeita e clássica
Baluarte da altivez
De poder onipresente,
Que me alcança na pele.
Domina minha liberdade
Agracia e desgraça.

Aflige com falsa afeição
Tornando-me mais miserável,
Mais ansioso por apreender
Um riso estruturado
E amar Sintaticamente
Sua carne morfológica sem lógica.

Sente a rancor que provocas,
Todavia não fere a superfície,
Porque descobrirás a veneração
De um simples sujeito passivo
Que ama indefinidamente
A forma incondicional de tuas condições.
*****************************************************************

MANUMITE

Barroco, deixai-me em paz
Com teu amor tirano.
Frui de mim apenas o belo,
Expurga as sensações
Como o dinheiro faz às
Mazelas terrenas e a
Pobreza aos mortais.
Roda tua roda ó Fortuna,
Lançando acaso com
Minha estrada efêmera.
Filho de Ares inconseqüente,
Troçador de dardos Inflamados,
Não necessito da incidência
De oxímoros passionais,
Racionais e irracionais
Nas regiões de calmaria.
Expurguei teus conceitos,
Os cultos gregos
De pés quebrados e seus
Chorosos soluços,
As vozes gregórias de amarga
Veracidade da transitória essência.
Meu estoicismo é religião
E minha fatalidade
É deixar rir-se a gente.
****************************************************
Poema Simbólico

Ambicionei apenas o Sousa,
Sem a cruz sufocante
Que metrifica a razão, purifica
Toda obscenidade dos hormônios
E escande minha alma.
O Sousa não.
Ele me fragmenta
E esquadrinha com intimidade
Cada pedaço ínfimo
Com seu buril descarnando a pele
E descobrindo cada som que me
Tinge de cores escuras e claras.
Depois joga tudo no vórtice
Do prazer que culmina
Numa catarse redentora
Sobrando ao fim uma
Bela paisagem tipicamente
Bucólica onde o vento
Dança com os fragmentos

Um comentário:

  1. Escrever faz bem a alma, escritos inspiram a alma, a alma move o coração do escritor, e assim, segue-se o ciclo vicioso... escrever, ler, escrever...

    ResponderExcluir